Breves considerações sobre a crítica de
Lacan à Melanie Klein e o “caso Dick”
O texto "Análise do Discurso e Análise
do Eu" (1954) levanta questões sobre a função do discurso na clínica
psicanalítica e o manejo clínico do que alcança os ouvidos do analista.
A sustentação de uma posição que não
corresponde ao manejo clínico dos pós-freudianos ficou evidente na segunda
parte do texto de Jacques Lacan, no qual ele critica o manejo de Melanie Klein no
“caso Dick” (1930), mas considera seus efeitos clínicos.
Segundo Lacan,
Melanie Klein enfia o simbolismo, com
a maior brutalidade, no pequeno Dick (...) Ela o joga numa verbalização brutal
do mito edípico, quase tão revoltante para nós quanto para qualquer leitor —
Você é o trenzinho, você quer foder a sua mãe” (p.83)
A crítica é direcionada ao modo como Klein
conduziu seu trabalho no caso do paciente Dick, um paciente diferente de outros
que ela costumava atender. Klein sustentou que se tratava de um desenvolvimento
egóico prematuro, com a inibição de um segundo momento necessário ao
desenvolvimento ulterior do ego, tornando Dick inacessível às influências
externas.
A direção do tratamento era alcançar os
conteúdos inconscientes para possibilitar o desenvolvimento do ego.
Referente aos sintomas relatados por Klein, hoje
em dia, nos parece um caso de autismo, mas a psicanalista tomava a enfermidade
de Dick como um caso de esquizofrenia, caracterizada por uma inibição diferente
da esquizofrenia "típica" infantil, pois não havia regressão no
desenvolvimento.
A aposta de Klein na unidade egóica confere
ao seu paciente um ego desenvolvido prematuramente, atos interpretados através
de metáforas edípicas, manifestações de angústia, desejos e fantasias,
conferindo a Dick um lugar de sujeito ao qual Klein se dirige.
Lacan sustentou que o eu de Dick ainda não
estaria sequer formado, não haveria simbolismo entre Dick e o mundo que o rodeava.
Sua relação com o mundo parecia real e indiferenciada. Contudo, o autor
reconheceu o efeito clínico da interpretação de Klein. Ele destaca que Dick “está
lá como se ela não existisse, como se fosse um móvel. Entretanto, ela lhe fala”
(p.85) e “é certo que depois dessa intervenção alguma coisa se produz.” (p.84)
Ainda que, para Lacan, a simbolização deste
paciente não se dê de forma tão elaborada, tal como Klein apostava, as sessões
prosseguiram e operaram melhorias debitadas ao desejo e a aposta da analista, uma
aposta de que aquilo que lhe era apresentado era um sujeito e sua angústia,
seus desejos e fantasias, num modo particular de estar no mundo.
Bibliografia:
KLEIN, Melanie. Contribuições à psicanálise. 2 ed. São Paulo:
Mestre Jou, 1981
LACAN, Jacques. O seminário, livro 1: os escritos técnicos de
Freud, 1953-1954/texto estabelecido por Jacques- Alain Miller; [versão
brasileira de Betty Milan]. —2. Ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2009.